Medida de Segurança: A ineficácia dos meios de tratamento
O Estado esta preparado para lidar com portadores de transtorno mental?
O presente trabalho tem como objetivo compreender a aplicação da medida de segurança que o Código Penal (CP)aplica ao portador de transtorno mental, bem como as razões por ter se tornado ineficaz. Busca-se entender como o doente mental é tratado pelo Estado e pela sociedade, como são vistos e julgados pelo ordenamento jurídico. Trata-se de demonstrar as violações aos direitos humanos dos deficientes mentais que são silenciados enquanto outros decidem o que será do restante de suas vidas. Também se almeja mostrar os meios existentes e a possibilidade de novos mecanismos mais humanos que tratam os loucos infratores com mais humanidade e respeito, citando-se como exemplo o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário. Os métodos de pesquisas usados foram os exploratórios, descritivos e explicativos, buscando demonstrar as formas de tratamento ofertadas a um deficiente mental. Dessa forma evidenciar a responsabilidade do Estado e da sociedade para com o tratamento e devido cuidado do portador de doença mental por meios humanitários que os respeitem como sujeitos de direitos e deveres.
1. Introdução
A Medida de Segurança é uma sanção penal que se aplica aos doentes mentais ou aqueles que tenham desenvolvimento mental incompleto. Quando um desses sujeitos comete um fato típico e antijurídico são processados penalmente e condenados, no entanto, será decretada a inimputabilidade ou semi-imputabilidade do agente e ocorrerá uma absolvição imprópria e o juiz irá impor a medida de segurança ao agente.
O presente estudo visa inicialmente explicar todo o funcionamento da Medida de Segurança e suas espécies, abordando a sua constituição, sua execução e seu possível término. Posteriormente se busca explicar como as falhas desse sistema e como se encontram, a precariedade do sistema de tratamento, se faz críticas ao termo “periculosidade e, por fim, a existência de nova lei regulamentando os tratamentos de portadores de doença mental, bem como a possibilidade de novas formas de tratamento.
Assim, se busca demonstrar que o atual sistema é falha e ineficaz, trazendo apenas mais sofrimento aos doentes mentais, incluindo os infratores, e como se pode ter tratamentos mais humanos e com melhores resultados, tratando esses indivíduos como sujeitos de direitos e deveres, lhes assegurando um tratamento igualitário e proporcional.
2. Responsabilidade penal do portador de transtorno mental na Medida de Segurança
Primeiramente se faz necessário caracterizar a medida de segurança e pena. Tanto um como o outro, por serem espécies de sanção penal, tem alguns pontos em comum, como trazerem um fato criminoso como pressuposto, obedecendo assim o princípio “nulla poena sini crimine”, servindo como defesa social e reafirmando a autoridade do Estado.
Assim, de acordo com Barros (2011) estas espécies de sanção penal se diferenciam pelos aspectos que cada uma possui, enquanto a pena possui uma função preventiva e retributiva, onde a sua prevenção assume um caráter geral atingindo indivíduos indeterminados, a medida de segurança possui uma prevenção especial, isto é, recaindo sobre determinado indivíduo perigoso. A pena possui sua aplicação por tempo determinado, no entanto, a medida de segurança possui tempo determinado apenas no seu mínimo, pois só cessará com a periculosidade do agente. A condição da pena é a culpabilidade do agente, na medida de segurança está condição é a periculosidade social daquele. Por fim, a pena é imposta aos imputáveis e semi-imputáveis, a medida de segurança, por sua vez, aos inimputáveis e semi-imputáveis, quando estes necessitarem de tratamento.
2.1 Conceito e natureza jurídica das medidas de segurança
A medida de segurança é uma sanção penal com caráter preventivo e curativo, que se aplicada ao agente de ato típico e ilícito que seja inimputável ou semi-imputável, desde que apresente periculosidade. É considerada como sanção penal pois “Toda privação de liberdade, por mais terapêutica que seja, para quem a sofre não deixa de ter um conteúdo penoso.” (NUCCI, 2014, p. 527).
No Código Penal de 1940, prevalecia o sistema duplo binário no qual o juiz poderia aplicar a pena e a medida de segurança, de forma que:
“[…] a medida de segurança era aplicada ao agente considerado perigoso, que havia praticado um fato previsto como crime, cuja execução era iniciada após o condenado cumprir a pena privativa de liberdade ou, no caso de absolvição, de condenação à pena de multa, depois de passada em julgado a sentença, conforme incisos I e II do art. 82 do Código Penal de 1940.” (GRECO, 2012, p. 665).
Com o sistema duplo binário se praticava o bis in idem, penalizando o agente duas vezes pelo mesmo fato ilícito onde “[…] terminada a pena privativa de liberdade, continuava detido até que houvesse o exame de cessação de periculosidade” (NUCCI, 2014, p. 528).
Atualmente após a reforma do Código Penal de 1984 foi adotado o sistema vicariante, onde se aplica a pena ou medida de segurança, dessa forma o agente de fato típico e ilícito que for inimputável, em regra, não será culpável de modo que será absolvido e terá aplicado a medida de segurança, cuja finalidade difere da pena. (GRECO, 2012, p. 665).
A medida de segurança possui duas finalidades. A primeira é a finalidade preventiva buscando prevenir que o agente volte a cometer fato típico e ilícito, sendo assim “Busca atender a segurança social e, principalmente, ao interesse da obtenção da cura daquele a quem é imposta, ou a possibilidade de um tratamento que minimize os efeitos da doença ou perturbação mental.” (CUNHA, 2016, p. 505). A segunda finalidade é justamente o caráter curativo da pena, em teoria, se objetiva deter o inimputável para que este receba o tratamento adequado para sua condição, e não apresentando mais a periculosidade volte a sociedade.
2.2 Da culpabilidade na medida de segurança
A culpabilidade é um juízo de reprovação social sobre os atos típicos e ilícitos e seus autores, devendo para tanto estes serem imputáveis, tendo ciência ilegalidade de suas ações ou omissões. Para Cezar Roberto Bitencourt a imputabilidade “é a capacidade ou aptidão para ser culpável, embora, convém destacar, não se confunda com responsabilidade, que é o princípio segundo o qual o imputável deve responder por suas ações.” (2011, p. 989). Dessa forma o agente é psicologicamente são possuindo maturidade minimamente evoluída para compreender a gravidade e ilicitude de seus atos.
Ao imputável se aplica a pena, no entanto para os inimputáveis é aplicado a medida de segurança, aos semi-imputáveis poderá ser aplicado pena ou medida de segurança. Portanto, caracterização do agente em inimputável e semi-imputável é de suma importância, pois o reconhecimento de um destes institutos acarreta em diferentes efeitos.
O inimputável não possui plena capacidade mental para compreender os seus atos, não podendo discernir o certo do errado, com isso é inevitável que cometa algum delito em ocasiões distintas. Diante desta situação o inimputável não pode ser considerado, e nem tratado, como um criminoso comum, pois inexiste a presença de culpa, em sentido lato, em suas ações ou omissões, dessa forma entende Nucci:
“O inimputável (doente mental ou imaturo, que é o menor) não comete crime, mas pode ser sancionado penalmente, aplicando-se-lhe medida de segurança, que se baseia no juízo de periculosidade, diverso, portanto, da culpabilidade. O autor de um fato típico e antijurídico, sem compreensão do que fazia, não merece ser considerado criminoso — adjetivação reservada a quem, compreendendo o ilícito, opta por tal caminho, sofrendo censura -, embora possa ser submetido a medida especial cuja finalidade é terapêutica, fundamentalmente.” (NUCCI, 2014, p. 254)
O efeito da caracterização da inimputabilidade é a aplicação do caput do artigo 26 do Código Penal, que segundo Alan Reis (2015) ao adotar o sistema biológico-psíquico para a definição da inimputabilidade estabelece três requisitos: a existência da doença ou do desenvolvimento mental incompleto; que ao tempo do ato ilícito a doença ou retardo estejam presentes no agente; e que o fato ocorreu pela incapacidade de discernimento do agente. De acordo com Bitencourt (2011) a medida de segurança é aplicada ao autor de fato típico e ilícito que seja inimputável, sendo necessário não só a sua periculosidade, mas que este venha a ser condenada pelo crime mesmo que fosse imputável, portanto, na hipótese de um imputável ser considerado inocente na prática de determinado ato, o inimputável que praticar o mesmo ato nos mesmos moldes também deve ser absolvido, não sendo aplicado a medida de segurança.
Os semi-imputáveis, por sua vez, não possuem a incapacidade de discernimento total, mas sim parcial. Se tem presente nesses casos a ocorrência de uma perturbação na saúde mental do agente que o impediu de agir com inteira capacidade para entender o caráter ilícito do fato por ele praticado. Nesse sentido:
“São consideradas semi-imputáveis as pessoas que, no momento da conduta delitiva, não eram totalmente capazes de compreender a antijuridicidade e comportar-se conforme a expectativa do direito (art. 26, parágrafo único, do Código Penal). A semi-imputabilidade é uma categoria intermediária entre a capacidade e a incapacidade plena.” (REIS apud CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança no direito penal brasileiro: fundamentos e aplicação judicial. São Paulo: Saraiva, 2013, p.499).
Portanto, para os semi-imputáveis, se aplica a redução de pena do parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, de maneira tal que só será aplicado a medida de segurança ao semi-imputável se este necessitar de tratamento para a sua condição, nos demais casos se aplicará a pena prevista no ilícito penal com a redução do referido parágrafo único.
2.3 Pressupostos da medida de segurança
Segundo Bitencourt (2011) a medida de segurança possui três pressupostos. O primeiro pressuposto é a necessidade da prática um crime, ou seja, como a medida de segurança é sanção penal se faz imprescindível que o agente pratique um fato típico e antijurídico. Ademais, deixará de ser aplicada a medida de segurança se existirem excludentes ou ausência de provas que evitem a condenação do agente pelo ilícito.
O agente deve apresentar periculosidade, sem este pressuposto é inviável a aplicação da medida de segurança já que a periculosidade é seu fundamento. A periculosidade é essencialmente a probabilidade de agente reincidir em um fato típico e antijurídico com base na sua saúde mental e na sua conduta antissocial. Existem dois tipos de periculosidade previstas no artigo 26 do Código Penal:
“1) periculosidade presumida — quando o sujeito for inimputável, nos termos do art. 26, caput; 2) periculosidade real — também dita judicial ou reconhecida pelo juiz, quando tratar de agente semi-imputável (art. 26, parágrafo único), e o juiz constatar que necessita de “especial tratamento curativo” (BITENCOURT, 2016, p. 865).
Por fim, o último pressuposto é ausência de imputabilidade plena do agente, como já dito o imputável sofrerá a sanção de pena, o semi-imputável receberá pena ou medida de segurança e o inimputável receberá a medida de segurança
2.4 Do exame de integridade menta
O incidente de integridade mental é disciplinado pelos artigos 149 ao 154 do Código de Processo Penal (CPP), será instaurado somente por ordem do Juiz quando houver dúvida quanto à integridade mental do acusado. O objetivo do exame de integridade mental é determinar se no momento do ilícito o agente tinha compreensão da ilicitude de seus atos, em seguida se observara a saúde mental do agente buscando a presença de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Com base nesta análise o médico perito determinará se o agente é inimputável ou semi-imputável.
O exame de integridade mental será instaurado de oficio pelo Juiz ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado sempre que houver dúvida quanto à integridade mental do agente. Segundo Nucci (2016) ainda se pode fazer a denúncia juntamente com o pedido de absolvição, quando na fase de investigação a autoridade policial pode requerer ao Juiz a instauração do exame, com o resultado do referido exame o Ministério Público pode oferecer a denúncia pleiteando a absolvição do acusado e aplicação da medida de segurança.
Ao ser instaurado o exame de integridade mental o Juiz nomeará um curador ao acusado, durante o prazo para o exame o processo ficará suspenso. O prazo para realização do exame será de 45 (quarenta e cinco) dias, podendo ser prorrogado se houver necessidade dos peritos, conforme o disposto no art. 150, parágrafo primeiro do CPP. Se o acusado já estiver preso ele será internado em manicômio judicial, ou em estabelecimento adequado se estiver solto e os peritos assim requererem, a internação durará pelo prazo necessário para a realização do exame. Estando o processo os autos podem ser entregues aos peritos para melhor análise sobre os fatos.
Ocorrendo a comprovação da doença mental após a infração e nomeado o curador o processo continuará suspenso até que o acusado restaure sua capacidade mental, para Nucci (2016) trata-se da aplicação do princípio da ampla defesa, onde se espera que o acusado volte a ter capacidade para se defender. Já se a insanidade mental ocorrer no curso de uma execução de pena de prisão, ainda segundo Nucci, haverá duas possibilidades, no caso de doenças transitória se internará o condenado em hospital penitenciário, mantendo-se a pena, conforme o art. 41 do CP ou ocorrerá a conversão da pena em medida de segurança, conforme art. 183 da Lei 7.2010, para os casos de doença permanente.
2.5 Espécies de medida de segurança
O artigo 96 do Código Penal (CP)estabelece duas espécies de medida de segurança aplicados em nosso ordenamento jurídico, sendo eles a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e o tratamento ambulatorial.
A medida de segurança, art. 96, inciso I do CP, é a medida equivalente ao regime fechado da pena privativa de liberdade, onde o agente ficará internado em regime fechado. Na falta de um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico o Juiz determinará sua execução em estabelecimento adequado. Segundo Bitencourt (2016), o hospital de custódia é o conhecido manicômio judiciário somente tendo sua nomenclatura alterada pela reforma penal de 1984, já o estabelecimento adequado é o local que tenha características hospitalares para o tratamento das necessidades mentais dos agentes.
A tratamento ambulatorial, art. 96, inciso II do CP, tem relação com as penas restritivas de liberdade, já que o agente deve comparecer periodicamente ao médico para acompanhamento. Pode, também, o sentenciado ao tratamento ambulatorial ter a sua pena convertida na internação em hospital de custódia, se assim o Juiz entender necessário ao tratamento de sua mentalidade, conforme o art. 97, parágrafo quarto do CP.
Se faz necessário avaliar o caso concreto para determinar qual espécie de medida de segurança será aplicada, nesse sentido:
“Não é a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade que determinará a aplicação de uma ou outra medida de segurança, mas a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, que, se for de detenção, permitirá a aplicação de tratamento ambulatorial, desde que, é claro, as condições pessoais o recomendem.” (BITENCOURT, 2016, p. 866)
Ainda há os casos de conversão da pena privativa de liberdade em medida de segurança, sendo disciplinado pelos artigos 183 e 184 da Lei 7.210/1984 — Lei de Execução Penal (LEP). De acordo com Cunha (2016) quando o agente condenado a uma pena privativa de liberdade apresenta ou desenvolve doença ou perturbação mental o Juiz da execução analisará o caso e determinará a internação para tratamento no caso de doença passageira, conforme o artigo 108 da LEP, ou optará pela substituição da pena privativa de liberdade pela medida de segurança, em acordo com o artigo 183 da LEP. Nesses casos, a medida de segurança terá sua duração por tempo igual ao da condenação pela pena restritiva de liberdade, nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DE DOENÇA MENTAL. CONVERSÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO. MANUTENÇÃO. TEMPO DE CUMPRIMENTO DA PENA EXTRAPOLADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em se tratando de medida de segurança aplicada em substituição à pena corporal, prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal, sua duração está adstrita ao tempo que resta para o cumprimento da pena privativa de liberdade estabelecida na sentença condenatória. Precedentes desta Corte. 2. Ordem concedida.”
(HC 373405/SP, Sexta Turma. Rel. Maria Thereza de Assis Moura., DJe 06/10/2016)
Ainda esclarece Nucci (2014) que é possível a reconversão da medida de segurança em pena restritiva de liberdade, que ocorrerá se o agente apresentar melhora do seu estado de saúde mental, voltando a cumprir o restante da pena na presidio, pontuando que o tempo que passou em tratamento é contado como tempo do cumprimento da pena.
2.6 Os prazos da medida de segurança
A medida de segurança tanto a internação em hospital psiquiátrico como o tratamento ambulatorial possuem prazo indeterminado, conforme o disposto no art. 97, parágrafo primeiro do Código Penal, a medida de segurança persistira até o fim da periculosidade, que será feito por perícia médica. O citado artigo também estabelece limite mínimo de 1 (um) ano e máximo de 3 (três) anos, a ser determinado pelo Juiz, para que seja realizada a primeira perícia médica, que será repetida de ano em ano ou a outro tempo determinado pelo Juiz. Dessa forma a medida de segurança não tem prazo máximo para o tratamento do agente, nesse sentido:
“[…] Pode-se, assim, atribuir, indiscutivelmente, o caráter de perpetuidade e essa espécie de resposta penal, ao arrepio da proibição constitucional, considerando-se que pena e medida de segurança são duas espécies do gênero sanção penal (consequências jurídicas do crime). […]” (BITENCOURT, 2016, p. 866)
Ainda, segundo Bitencourt (2016), a Constituição Federal prevê expressamente por meio de cláusula pétrea a proibição da prisão perpétua, portanto, o prazo indeterminado da medida de segurança não foi recepcionado pela constituição. Também se aplicaria o limite legal de 30 (trinta) anos disposto no artigo 75 do CP. No entanto, atualmente, se defende a tese de que a medida de segurança se limitará a pena máxima do delito, dessa forma se adequando a proibição de prisão perpétua. Sendo assim, mesmo que encerrado o tempo de pena e o agente ainda apresentar doença mental não será mais obrigado a internação em hospital psiquiátrico ou a tratamento ambulatorial, passando a ser um problema de saúde pública.
2.7 Da cessação de periculosidade e da desinternação e liberação condicional
A cessação da periculosidade é realizada por perícia médica, que deverá comprovar a cura do agente submetido a medida de segurança ou então a cessação da periculosidade, sendo realizado após o prazo mínimo do artigo 97, parágrafo segundo do CP. No entanto, poderá ser requerido o exame antes do prazo mínimo a pedido do Ministério Público ou interessado mediante fato superveniente que sirva de fundamento para o requerimento, conforme o disposto pelo artigo 176 da LEP.
Conforme o artigo 175 da LEP, 1 (um) mês antes do término do prazo a autoridade competente encaminhará ao Juiz de execução relatório minucioso acompanhado de laudo psiquiátrico. Apresentados o laudo e relatório no processo serão ouvidos o Ministério Público e o curador ou defensor do agente, podendo ser determinada novas diligências para sanar quaisquer dúvidas, podendo haver assistência médica particular como preceitua o artigo 43 da LEP. Ao fim, munido das informações necessárias decidirá o Juiz pela revogação ou permanência da medida de segurança.
Ocorrendo a revogação da medida de segurança será o agente desinternado ou liberado do tratamento ambulatorial, seguindo as determinações dos artigos 132 e 133 da LEP, que tratam sobre as condições do livramento constitucional. Estabelece o artigo 132 duas formas de obrigações, sendo as obrigatórias e as facultativas. Obrigatoriamente o agente deverá obter emprego lícito, reportar-se ao juízo sua ocupação periodicamente, não mudar de território da comarca sem autorização judicial, se receber permissão para será remetida cópia da sentença ao Juízo onde for residir. As condições facultativas serão estabelecidas pelo Juiz e podem determinar que o agente não mude de residência sem permissão do juízo, retornar à habitação em hora na fixada e não frequentar determinados lugares.
Ficará o agente nessa situação por 1 (um) ano, sendo denominado de egresso pela Lei de Execuções Penais em seu artigo 26, inciso I. Tal situação será revogada se o agente cometer crime durante a vigência do livramento, conforme artigo 86, inciso I do Código Penal.
Segundo Nucci (2016) a possibilidade da conversão da internação em tratamento ambulatorial, a chamando de desinternação progressiva, para tanto alega:
“Prevê a lei penal que o tratamento ambulatorial pode ser convertido em internação, caso essa providência seja necessária para “fins curativos”. Nada fala, no entanto, quanto à conversão da internação em tratamento ambulatorial, o que se nos afigura perfeitamente possível. Muitas vezes, o agente pode não revelar periculosidade suficiente para manter-se internado, mas ainda necessitar de um tratamento acompanhado. Assim, pode o magistrado determinar a desinternação do agente para o fim de se submeter a tratamento ambulatorial, que seria a conversão da internação em tratamento ambulatorial” (NUCCI, 2016, p. 536)
Assim, não se trata de desinternação e sim um acompanhamento médico por um meio não tão incisivo quanto a internação, sendo necessário muitas vezes para o próprio bem do agente, evitando que sua situação mental se agrave dentro de hospitais psiquiátricos. Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, onde ocorreu a própria recomendação de técnica para que seja adotada a desinternação progressiva:
“EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA. LAUDO FAVORÁVEL. PRÉVIO WRIT NÃO APRECIADO. RECURSO CABÍVEL: AGRAVO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A existência de recurso cabível não afasta a viabilidade do manejo do habeas corpus, quando explícita a ilegalidade e manifesta a urgência. 2. Patente a orientação técnica no sentido da desinternação progressiva, configura constrangimento ilegal a manutenção de semi-inimputável em medida de segurança mais rigorosa que aquela recomendada pelo seu quadro clínico. 3. Ordem concedida, de ofício, para transferir o paciente para Hospital Psiquiátrico que disponha de estrutura adequada para regime de desinternação progressiva, colocando-o em regime de semi-internação pelo prazo de 1 ano, após o qual deverá ser submetido a novo exame psiquiátrico e psicossocial para apuração de condições para a desinternação condicional, podendo o paciente retornar ao regime de internação a critério do juiz da execução se laudos posteriores desaconselharem a sua permanência na semi-internação.”
(STJ — HC: 116655 SP 2008/0214138–3, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data do Julgamento: 10/02/2009, T6 — SEXTA TURMA, Data da Publicação: 20090330, DJE 30/03/2009)
3. A efetividade da Medida de Segurança no Brasil
A medida de segurança tem caráter preventivo e curativo, no entanto a realidade atual dos hospitais psiquiátricos, manicômios, é totalmente degradante não alcançando o tratamento do agente que sofre a medida de segurança, servindo basicamente como uma prisão para inimputáveis e semi-imputáveis.
Na contrapartida para solucionar os problemas atuais da medida de segurança se tem iniciativas e experimentos que buscam verdadeiramente ressocializar os inimputáveis e semi-imputáveis, dessa forma cumprindo o propósito dessa sanção penal.
3.1 Situação atual dos manicômios jurídicos no Brasil
Conforme o Parecer sobre Medida de Segurança do Ministério Público (2011), os manicômios jurídicos, denominados atualmente de hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, foram criados no Brasil pelo Decreto Lei nº 1.132 de 1903, criado com a finalidade de reorganizar o atendimento psiquiátrico dos doentes mentais. Para tanto, o citado decreto proibiu que criminosos e “alienados” fiquem presos juntos, determinando assim a criação de manicômios para encarceramento de criminosos “loucos”. O parecer também traz os números de hospitais de custódia no brasil:
“[…] no Brasil, encontram-se em funcionamento 30 (trinta) hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTPs) e 01 (uma) ala de tratamento psiquiátrico (ATP) em penitenciária comum, que acolhem 3.604 (três mil seiscentas e quatro) pessoas com transtornos mentais ou dependência química em conflito com a lei, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN-MJ) de dezembro de 2010 […]
Os 30 (trinta) hospitais de custódia e a ala de tratamento psiquiátrico estão divididos em 19 (dezenove) estados, estando a maior parte deles no estado do Rio de Janeiro, que possui 7 (sete), seguido do estado de São Paulo com 4 (quatro) e Minas Gerais com 3 (três). No entanto a situação de todos é degradante, segundo a I Caravana Nacional de Direitos Humanos, realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em 200, os manicômios apresentavam uma situação de total descaso com a saúde mental e sugerindo mudanças urgentes.
Um exemplo da situação a que se depararam foi a Clínica Isabela, em Goiânia/GO, onde é relatado que um paciente morreu queimado e que é comum práticas de eletroconvulsoterapia e neurocirurgias sem o devido acompanhamento e comprovação de resultados por um médico adequado:
“O diretor é um homem sem dúvidas. A psiquiatria, para ele, configura uma ciência exata e apenas os especialistas nessa área podem compreender, de fato, os procedimentos por ele empregados. Nos falou com desenvoltura sobre a necessidade de aplicação de eletroconvulsoterapia (ECT) em muitos casos e sobre sua determinação em indicar o tratamento sempre que necessário. Confirmou a prática de realização de neurocirurgias e discorreu longamente sobre a técnica empregada a partir da introdução de uma fina espátula no cérebro e sobre os resultados maravilhosos “largamente comprovados”. Essa cirurgia é denominada “estereotaxia”.”
Outro relato é da Colônia Lopes Rodrigues, na Bahia, esse estabelecimento tem capacidade para mais de mil pacientes onde “Muitos dos pacientes aqui caminham nus no interior das células e nos enormes espaços de convivência entre elas.”. Também relatam a situação de agressão que ocorria com uma das pacientes:
“A caravana encontrou, ainda, uma paciente presa nas instalações gradeadas de um banheiro no interior de uma das células. Esta mulher, aparentando 30 anos, negra, estava semi nua, sentada no chão do banheiro. Muda, ela não respondeu aos questionamentos que lhe foram feitos. As atendentes de serviço nessa célula informaram aos integrantes da caravana que a paciente costumava ser agressiva e que jogava fezes nos demais internos. Por isso estaria “isolada”. Na verdade, ela se encontrava enjaulada. O que pudemos perceber foi a realidade de abandono em que se encontram os internos e a enorme distância oferecida àqueles pacientes frente às possibilidades de ressocialização.”
Em suma, todos os relatos da caravana relatam o ambiente dos manicômios como sendo locais sujos e fétidos; alguns sem permitir o acesso dos internados a áreas abertas, ficando confinados em salas de tamanho reduzido; uso camisas de força sem necessidade; celas escuras, sem ventilação e mal iluminadas; prática de eletroconvulsoterapia sem anestesia; pacientes sem qualquer tipo de acompanhamento médico; inúmeros pacientes amontoados e trancafiados nus; além da atitude violenta dos funcionários. É completamente evidente o desrespeito com pessoas que possuem deficiência mental e necessitam de tratamento adequado e humanitário, lesando todo e qualquer direito que esses inimputáveis possam ter.
Quatro anos depois, em 31 de julho de 2004, a Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) realizaram uma vistoria em hospitais psiquiátricos, vistoriando tanto entidades públicas como privadas. A situação não foi muito diferente daquela encontrada pela I Caravana Nacional de Direitos Humanos. No relatório apresentado ocorrem mais casos de violência contra os inimputáveis, como por exemplo o Hospital de Custódia e Tratamento de Salvador/BA:
“Hospital de Custódia e Tratamento de Salvador — sujeira e espancamentos […] Recolhemos relatos de vários pacientes quanto a ações abusivas dos agentes penitenciários e seguranças, que, sem a formação técnica necessária e sem um mínimo de capacitação, comportam-se como “autoridades”, definindo, de forma arbitrária e, não raras vezes, violenta, um conjunto de procedimentos e condutas que contrariam direitos fundamentais e que se opõem, inclusive, às orientações emanadas da própria direção do hospital. Segundo foi possível apurar, são comuns as sessões de espancamento dos pacientes em quarto fechado, por parte dos agentes. Esta violação inaceitável dá-se, muitas vezes, em represália aos quadros de intercorrências clínicas apresentadas por alguns pacientes, como dificuldade de caminhar, de emitir respostas quando solicitadas, o próprio mutismo e as alterações de consciência. Os agentes, do alto de sua brutalidade e ignorância, acreditam que tais manifestações correspondem a algum tipo de afronta ou de “resistência” dos pacientes a suas pretensas autoridades, o que legitimaria os castigos físicos.”
Diante do relatado, conclui-se que a situação dos manicômios, ou hospitais de custódia são totalmente impróprios para qualquer tratamento e sequer para confinamento de humanos que necessitem de ajuda médica para cuidar de sua saúde. A medida de segurança possui ideias de cura para o agente inimputável ou semi-imputável, no entanto, sua utilização somente é de uma prisão especial para os deficientes mentais, ao invés de curar a situação em que os agentes se encontram é muito mais provável que ocorra uma severa piora, impossibilitando qualquer ressocialização do indivíduo.
O Estado deveria possuir aparelhamento para o tratamento adequado de todos os inimputáveis e semi-imputáveis antes de exigir o cumprimento de uma internação que supostamente deveria curar o agente. A falta de organização do sistema de tratamento da medida de segurança ocasiona a ilegalidade e falta de legitimação do instituto ao desrespeitar os direitos humanos dos agentes.
3.2 Da inconstitucionalidade dos hospitais de custódia
A Constituição Federal determina que é fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III); que possui como objetivo da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como promover o bem estar de todos (artigo 3º, incisos I e IV); que a presente República rege-se nas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (artigo 4º, incisos II e IX); que tem como direitos e deveres individuais e coletivos a inviolabilidade da vida, que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, que são invioláveis a honra e imagem, que não haverá penas de prisão perpétua e cruéis, que os presos tem assegurado sua integridade física e moral, (artigo 5º, caput e incisos III, X, XLVII alíneas b e e, XLIX).
Todos esses direitos fundamentais do cidadão e do ser humano são totalmente desrespeitados pelo sistema dos hospitais de custódia, Corrêa define a relação desses estabelecimentos como:
“A relação institucional aumenta vertiginosamente o poder do médico e diminui o poder do doente: pelo simples fato de ser internado em um hospital psiquiátrico, o doente torna-se automaticamente um cidadão sem direitos, entregue à arbitrariedade dos médicos e do pessoal de enfermagem, que podem fazer dele o que quiserem, sem possibilidade de apelo” (CORRÊA, 1999, p. 76)
Os hospitais de custódia não atendem ao objetivo de cura do agente da medida de segurança, muitas vezes a própria família possui um melhor amparo ao portador do transtorno mental. No entanto, o artigo 97 do Código Penal (CP) impõe a internação ao inimputável ou semi-imputável que praticar fato típico e antijurídico que for punível com detenção, sem poder beneficiar-se do sursis ou até mesmo da substituição de pena de reclusão pela restritiva de direitos, por multa, ou a suspensão condicional do processo.
A internação é meramente uma acomodação social, onde, assim como no sistema penitenciário, se confina aqueles ditos como perigosos para serem curados e ressocializados, mas sem garantir que os meios ideias para o tratamento e ressocialização do agente. Os hospitais de custódia reforçam a exclusão do internados e limitam o seu acesso ao mundo exterior.
Na hipótese de um doente mental cometer fato típico punível com detenção e recebendo a medida de segurança ficará condicionado a internação em hospital de custódia até que sua periculosidade, entende-se aqui como sua doença ou desenvolvimento mental incompleto, seja curado conforme a determinação do artigo 97, parágrafo primeiro do Código Penal. Mas e se condição mental do agente não tiver cura? Pelo texto do artigo 75 a medida jamais cessaria, nesse sentido observa GRECO:
“A medida de segurança, como providência judicia curativa, não tem prazo certo de duração, persistindo enquanto houver necessidade do tratamento destinado à cura ou a manutenção da saúde mental do inimputável. Ela terá duração enquanto não for constatada. Ela terá duração enquanto não for constatada, por meio de perícia médica, a chamada cessação da periculosidade do agente, podendo, não raras as vezes, ser mantida até o falecimento do paciente.” (GRECO, 2011, p. 221)
Tal atitude caracteriza prisão perpétua dos agente internados pela medida de segurança que não possam curar sua enfermidade mental, contudo, o artigo 5º, inciso LXVII da Constituição Federal proíbe expressamente a prisão perpétua. Para solucionar esse impasse se tem a aplicação da regra geral da duração da pena máxima do artigo 75 do Código penal, que estabelece o limite máximo de 30 (trinta) anos para todas as penas, posicionamento defendido pelo Supremo Tribunal Federal.
Apesar da aparente solução quanto ao prazo máximo para aplicação das medida de segurança o Estado ainda carece dos meios adequados para tratamento e organização do sistema dos hospitais de custódia. Em uma matéria realizada pelo jornal Correio Braziliense foram feitos estudos acerca dos números dos hospitais de custódia, nos quais foram encontrados 2 (dois) agentes que estavam cumprindo medida de segurança a mais de 30 (trinta) anos. Com base nesse estudo, nos relatos da I Caravana Nacional de Direitos Humanos e nas vistorias da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP), é possível evidenciar a falta de organização do Estado quanto ao cumprimento do tempo das penas da medida de segurança, além da falta de profissionais capacitados para fazer o exame de sanidade mental anualmente.
Ademais a determinação de que o limite das penas da medida de segurança seja de 30 (trinta) anos é desproporcional e desigual, nesse sentido:
“Mas uma tal indeterminação do prazo máximo é francamente abusiva, visto ofender os princípios de proporcionalidade, de não perpetuação da pena e igualdade. Com efeito, não é razoável, por exemplo, que alguém que responda por lesão corporal leve (CP, art. 129, caput), cuja pena máxima é um ano de detenção, possa ficar sujeito à medida de segurança superior a esse prazo, indefinidamente. Também se viola o princípio da não perpetuação das penas, haja vista que, embora as medidas de segurança não sejam penas em sentido estrito (formalmente), constituem um gravíssimo constrangimento à liberdade de quem as suporta.” (QUEIROZ, 2015, p. 533)
Perante essa ótica se tem uma nova corrente doutrinária que sustenta o limite da medida de segurança a pena máxima do delito cometido:
“Há uma corrente doutrinária que sustenta ser inconstitucional a norma que dispõe que as medidas de segurança serão aplicadas por tempo indeterminado, porquanto possibilitaria a privação da liberdade em caráter perpetuo. Entende esta corrente que o prazo de internação do inimputável não pode ultrapassar o máximo da pena privativa de liberdade cominada ao fato por ele praticado” (GOMES, 1993, p. 64–72)
Diante do apresentado é possível alegar que as internações em hospitais de custódia não mais condizem com a atualidade do direito brasileiro, são estabelecimentos criados no século passado que ainda carregam ideias de quando não se tinham recursos e condições medicas para o tratamento de pessoas com doenças mentais ou desenvolvimento mental retardado, assim, é necessário o estudo e desenvolvimento de meios mais humanitários e eficazes para tratamento de inimputáveis e semi-imputáveis.
3.3 Da Periculosidade
A periculosidade, conforme Brisset (2010), é um termo que se usa para classificar os indivíduos que agem de forma adversa aquela esperada pela sociedade, com isso, justificando a criação de instituições que sejam voltadas a um tratamento obrigatório dessas pessoas consideradas perigosas através de um isolamento rigoroso. Assim, define Brisset:
“O termo “periculosidade” surgiu pela primeira vez no século XIX, como um conceito no campo das práticas jurídicas, quando se passou a atribuir a determinados criminosos a presunção de periculosidade. Essa presunção seria cabível a alguns criminosos se, no exame médico, fossem identificadas algumas características patológicas que o designariam como sendo um indivíduo intrinsecamente perigoso.” (BRISSET, 2010, p. 16)
No Brasil o termo “periculosidade” se tornou parte da linguagem cotidiana, sendo utilizada para definir sujeitos que cometam crimes de grande repercussão social, ainda mais, atualmente, com a mídia. Assim, são definidos como perigosos sujeitos que pratiquem ilícitos que tenham uma ampla reprovação pela sociedade, a exemplo o caso de “Fernandinho Beira-Mar” ou Suzane Von Richthofen.
O Código Penal presume a periculosidade de determinados indivíduos, que são aqueles que ao praticarem algum fato típico e antijurídico e forem portadores de algum tipo de transtorno mental. Para ocorrer a presunção a lei penal determina que deverá ser feita uma avaliação por profissional capacitado, psiquiatra, que afirme a presença do transtorno.
Assim, o optou a Código Penal por aplicar a medida de segurança a esses indivíduos que sejam “perigosos” a sociedade, obrigando o tratamento até a cura de seu transtorno mental. A medida de segurança será cumprida em estabelecimento adequado para “cuidar” da enfermidade e perdurará enquanto ela persistir, na hipótese de cura será elaborado um laudo assinado por dois psiquiatras assegurando o fim da periculosidade. Após o laudo o indivíduo receberá liberdade condicional por um ano e só será definitivamente encerrada a medida se não houver reincidência, sob risco de indicar a continuidade da periculosidade.
Segundo Brisset (2010) existe uma indeterminação na medida de segurança por fazer a presunção de periculosidade, pois o efeito de tal presunção é relacionar a doença mental com a probabilidade de crimes. Com isso se tem à ideia de que o portador de transtorno mental é um irresponsável por seus atos, que é incapaz de reconhecer qualquer de seus atos, dentre eles o “perigo” de cometer crimes e furtos, logo o sentido da periculosidade é o perigo da reincidência, assim:
“[…]nos interstícios dessas determinações normativas, subjaz uma concepção de sujeito incapaz e irresponsável em casos em que o indivíduo for portador de sofrimento mental. Admite-se o sofrimento mental como uma condição deficitária do ser humano; está implícito que o portador de sofrimento mental é “menos” humano que os demais, pois a sua condição humana, sua capacidade de agir e sua responsabilidade para com sua ação estão diminuídas em razão do seu estado psíquico. Podemos entender também que, muito além do perigo de realizar novos crimes, está em questão o perigo que a loucura significa para um determinado ideal de ser humano.” (BRISSET, 2010, p. 17)
Assim, um imputável não poderá ficar preso além do tempo a que foi condenado, portanto. O agente imputável comete um crime racionalmente. Juridicamente não permitido infringir seus direitos pela presunção de periculosidade. O imputável também tem probabilidade de voltar a delinquir, no entanto, seus direitos são respeitados, já aqueles que sofrerem medida de segurança, tem constantes lesões a seus direitos. Nesse sentido:
“Só assim podemos ousar compreender que, apesar de Fernandinho Beira-Mar poder ser considerado um sujeito que talvez cometa novos crimes, isso não faz dele alguém perigoso juridicamente. Esse risco é atribuído à sua capacidade racional de planejar, organizar e comandar grupos na execução de crimes organizados. Ele é considerado um sujeito que conhece a lei e conscientemente planeja ações fora da lei, de modo racional, servindo-se das suas habilidades cognitivas e volitivas para seguir na direção contrária à pretendida pela ordem social. Mesmo considerando ser alta a probabilidade de esse sujeito cometer novos crimes, devido ao seu currículo criminal, ele tem direito à liberdade após o cumprimento de sua sentença, de acordo com o Código Penal brasileiro. Jamais um Juiz poderia prolongar a sua sentença, apoiado na presunção de reincidência de novos crimes. Ele é, do ponto de vista jurídico, um sujeito perfeitamente capaz de responder pelo caráter ilícito de seus atos.” (BRISSET, 2010, p. 17)
Para o ordenamento jurídico atual só é perigoso aquele que, por laudo médico, for considerado doente mental e não a probabilidade de que o agente volte ou não a cometer algum crime. Logo, aqueles que não forem considerados pela lei como responsáveis tem automaticamente sua periculosidade presumida, nesse sentido:
“O conceito de “periculosidade”, desde seu surgimento, promoveu e ainda promove, de modo que parece natural e evidente, a construção de práticas sociais e discursos orientados a partir dele, como se presumir periculosidade a alguém fosse um fato dado como incontestável. Assim, atualmente, designar alguém como intrinsecamente perigoso parece algo banal, tendo em vista a circulação e a apropriação desse conceito pelas diversas redes sociais; no entanto, as consequências dessa banalização na atribuição da periculosidade aos loucos infratores são catastróficas para o destino desses indivíduos. Por causa da presunção de sua periculosidade, eles são, de modo geral, lançados para fora da órbita da humanidade e, na maioria das vezes, sem passagem de volta.” (BRISSET, 2010, p. 19)
Portanto, a condição de presunção da periculosidade do Código Penal e totalmente ilegal e inconstitucional, dado que fere diversos princípios e garantias protegidos pela Carta Magnaa. Ao permitir que tal se perpetue é permitir que os portadores de doença mental tenham seus direitos fundamentais sequestrados pelo próprio Estado, o qual deveria protegê-los, assim como protege aos demais.
3.4 Da lei de reforma psiquiátrica
A lei de reforma psiquiátrica foi estabelecida pela Lei nº 10.216 de 2001. O objetivo da presente lei é trazer um tratamento mais humanizado aos portadores de deficiência mental, por meio de seu artigo 2º, parágrafo único, elenca uma série de direitos aos portadores de transtorno mental. Também elenca uma série de responsabilidades ao Estado para com os internados.
A citada lei também traz uma total reforma, e até revogação, das diretrizes da medida de segurança apresentadas pelo Código Penal (CP) e pela Lei de Excussões Penais (LEP), conforme os estudos de Mariana de Assis Brasil e Weigert, Salo Carvalho, João Paulo Orsini Martinelli e Leonardo Schmitt de Bem.
A primeira grande mudança trazida pela lei foi a responsabilização do deficiente mental, dessa forma:
“Diante desse novo contexto, parte da doutrina pretende fixar uma responsabilidade sui generis ao portador de transtorno mental. Entre as principais tendências, a mais comum requer a injunção penal como se o acusado fosse imputável, sendo que a anomalia psíquica poderia ser considerada circunstância atenuante inominada (CP, art. 66) ou, ainda causa de diminuição de pena nos termos de uma culpabilidade reduzida. Ou seja, o sistema de dosagem de pena-base segue análise das circunstâncias judiciais, e, na sequência, dependendo da orientação adotada, o transtorno mental pode ser considerado atenuante ou minorante de pena”. (BEM e MARTINELLI, 2016, p. 13)
Assim, a lei objetiva tratar o portador de transtorno mental como pessoa, deixando de vê-lo com um objeto e o reconhecendo como sujeito de direitos e obrigações. Ao adotar o procedimento sui generis se tem uma brusca redução do tempo de internação dos agentes, limitando o tempo da internação ao prazo mínimo do fato típico e antijurídico, pois não se visa mais a cessação da periculosidade e sim a reinserção do agente na sociedade, conforme o artigo 4º, parágrafo primeiro da Lei 10.216/01.
Ainda sobre a internação, fica por inutilizada a determinação da perícia médica de ano em ano (art. 97, parágrafo segundo do CP) dado que a lei da reforma psiquiátrica em seu artigo 4º, parágrafo segundo, exige que os internos tenham assistência por tempo integral, assim, verificada a possibilidade de reinserção do interno a sociedade se dará por finda a internação. Além disso, determina o caput do artigo 4º que a internação só será aplicada quando as medidas extra hospitalares restarem por infrutíferas.
Também altera a nova lei as medidas do artigo 96 do CP, internação em hospital psiquiátrico e tratamento ambulatorial, dado que as únicas internações aceitas são as dispostas no artigo 6º da lei 10.216/01, devendo estes estabelecimentos oferecerem assistência em saúde, conforme o artigo 3º da mesma lei. Assim, abolindo qualquer local que tenha caráter asilar, ou seja, lugares sem a assistência médica adequada, conforme artigo 4º, parágrafo terceiro, do citado diploma. A referida lei também vetou qualquer tipo preconceito entre os portadores de transtorno mental, sejam sentenciados ou não, nos termos do artigo 1º.
Nessa ótica decidiu o poder Judiciário assegurando os direitos garantidos pela reforma psiquiátrica:
“Penal. Inimputabilidade do réu na época dos fatos. Medida de segurança. Tratamento ambulatorial em estabelecimentos de saúde mental previsto na Lei n. 10.216/2001, de 06 de abril, com acompanhamento de médico da confiança do paciente. Direitos assegurados ao portador de transtornos mentais” (Tribunal Regional Federal da 4ª, 8ª Turma, APL n. 2001.71.00.000774–0, DJ 22/10/2003).
A distinção do tratamento a ser dada ao agente no Código Penal e dada conforme a gravidade do ato cometido, se o ilícito é punível detenção compulsoriamente seria o agente internado, com isso deixasse de dar atenção necessária quanto a necessidade do tratamento do agente. Esse tipo de visão foi reformulado pela lei 10.216/01, assim a medida a ser aplicada será aquela que melhor se adequar a necessidade do portador de doença mental, nesse sentido decidiu o Juiz Sérgio Verani que “Essa norma impositiva da internação compulsória se torna inválida ante o desenvolvimento democrático da psiquiatria, especialmente com o movimento da luta antimanicomial, a inspirar a Lei 10.216/2001 […]” (TJRJ, 5ª C.C., APL n. 0041996–37.2004.8.19.000, J. 07/06/2005).
Por fim, a lei 10.216/10 traz diretrizes muito mais humanas e concernentes com ordenamento jurídico atual, no entanto, carece de efetividade e aplicação real. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) que é o responsável deixa de aplicar as novas diretrizes da lei 10.216/01 quanto aos imputáveis, apenas faz algumas modificações com o apoio da lei, quando deveria reformular totalmente tal sistema, dessa forma:
“Não é demais reafirmar que as diretrizes da Lei de Reforma Psiquiátrica revogaram os dispositivos do Código Penal e da Lei de Execução Penal, pois se trata de diploma legal posterior e específico. Porém, ao invés de reforçar essa consequência da legalidade, o CNPCP decidiu por buscar a reafirmação do modelo atual justamente pelas diretrizes da Lei de Reforma Psiquiátrica que extirpou qualquer visão retributivista, securitária e periculosista.” (BEM e MARTINELLI, 2016, p. 20)
A lei de reforma psiquiátrica deve ser usada como referência para a interpretação para a situação dos agentes com transtorno mental pelo poder judiciário, tendo como principal objetivo a dignidade da pessoa humana durante todo o sistema de tratamento.
3.5 Do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental
A lei 10.2016/01 traz uma série de possibilidades para o tratamento de doentes mentais, uma das maiores alternativas que se tem de exemplo é o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental surgiu no ano de 2000 como um projeto piloto por iniciativa da Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais para fazer um intermédio entre o tratamento e o processo jurídico do portador de transtorno mental, deixando a coordenação do projeto com a psicóloga jurídica Fernanda Otoni de Barros-Brisset. Em 2001 foi convertido em no Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ) pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, assim:
“O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em parceria efetiva com a Rede do Sistema Único de Saúde (SUS) do Município de Belo Horizonte, implementou institucionalmente a reforma psiquiátrica no campo jurídico através desse programa inovador, seguindo a orientação da Lei 10.216, que acabava de ser promulgada, ao colocar no ambiente universal e democrático da Rede Municipal de Saúde Mental do Município o portador de sofrimento mental infrator, sem distinção de outros pacientes, antes e depois da sentença de medida de segurança, o que favoreceu sobremaneira o seu laço social junto à família, comunidade e sociedade de modo geral.” (BRISSET, 2010, p. 27)
Conforme Brisset (2010) o projeto busca garantir os direitos fundamentais dos portadores de transtorno mental, visando um tratamento mais humanitário e com maior reintegração social do doente. Servindo como instrumento ao judiciário para aplicação da medida de segurança conforme a lei 10.216/01. Assim, não mais utilizando manicômios como meio de tratamento e sim um acompanhamento para que o tratamento da e a execução da sentença, onde se considera o doente um sujeito de direitos capaz de responder por seus atos.
O programa recebe casos encaminhados pelo judiciário e outros pacientes que são encaminhados por familiares, estabelecimentos prisionais e outros parceiros, nesses casos:
“Se a pessoa encaminhada não possuir sentença de medida de segurança, ou se não houver o incidente de sanidade mental instaurado no processo, realiza-se uma avaliação jurídica, clínica e social do caso e solicita-se ao juiz criminal autorização para o acompanhamento do caso. Sendo autorizado, este é encaminhado à Rede Pública de Saúde Mental, se ainda não estiver em tratamento. Junto com a rede, construir-se-á o projeto terapêutico e social para o paciente, o qual será constantemente revisto e reconstruído, de acordo com as indicações do próprio sujeito. O acompanhamento ocorre durante o processo criminal até a finalização da execução penal.” (BRISSET, 2010, p. 28–29)
Ainda esclarece Brisset (2010) que para fazer todo o atendimento aos pacientes o programa divide sua equipe em: estagiários, que autorizados pelo juiz, acompanham aqueles pacientes que ficaram muito tempo longe da sociedade e precisam de alguém para auxilia-los nas coisas mais básicas; assistentes sociais judiciais, que apresentam recursos para o paciente voltar a sociedade, analisando caso a caso; psicólogos judiciais, que fazem todo o acompanhamento dos pacientes para ajudar a tratar o seu sofrimento e mostrar como se socorrer em crises; e assistentes jurídicos, que analisam os autos e informam ao paciente a sua situação processual e os acompanham nas audiências, bem como fazem ofícios ao juiz com base nos pareceres da equipe.
Todo esse sistema fornece ao judiciário material que demonstra cada evolução e situação do agente, afim de auxiliar o juiz nas medidas a serem tomadas na execução da pena do doente transgressor. O doente mental tem um tratamento muito mais justo, onde é acompanhado a cada etapa e possui meios para auxilia-lo nas adversidades de sua doença com o convívio social, assim:
“A proposição do projeto era tratar a crise instalada entre a Justiça e a Saúde Mental; contudo, a novidade que se revelou desse tratamento da crise foi a possibilidade inédita de dispensar o manicômio judiciário como lugar para os loucos infratores. A resposta encontrada pela crise substituiu a prática reacionária do manicômio pela inclusão dessa população nas políticas públicas de atenção à saúde mental, sem desprezar a importância do tratamento jurídico na solução de cada caso. Essa política inovadora, enfim, se integra aos princípios constitucionais e fundamentais dos direitos humanos, às diretrizes da reforma psiquiátrica indicadas na Lei 10.216/2001, e essencialmente resgata a humanidade do portador de sofrimento mental infrator, conforme orientou Lacan para que nossa prática “corresponda à esperança que palpita em todo ser condenado de se reintegrar no sentido vivido.” (LACAN, 2003, p.131).” (BRISSET, 2010, p. 30)
Dessa maneira são dadas as condições básicas para que o doente transgressor tenha efetivamente um tratamento, de acordo com sua necessidade e responsabilidade. De tal modo, o agente pode responder por seus crimes da sua maneira e ser “punido” de forma efetiva e humana. Nesse sentido:
“A possibilidade de responder pelo crime cometido é uma condição humanizante, um exercício de cidadania que aponta para a responsabilidade e para a capacidade do sujeito de se reconhecer como parte de um registro normativo que serve para todos. Responder pelo seu crime é um modo de inclusão, pois insere o sujeito dentro do “guarda-chuva” da lei, que abriga a todos sob o seu manto. Muitas discussões devem e podem ser feitas para mudar algumas das descabidas orientações normativas, como a soberania da pena de privação da liberdade como a rainha das respostas punitivas do Estado brasileiro — uma condição totalmente desumana e ineficaz no sentido da inserção social, herdeira da lógica do direito penal.” (BRISSET, 2010, p. 31)
O Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário demonstra que é possível um doente mental cumprir uma sanção penal que não resulte em uma internação manicomial, se deixa de presumir que o doente não tem capacidade ou respostas para seus atos e se passa a ouvi-lo, da sua forma, e ajuda-lo a conviver em sociedade com sua patologia, não mais o silenciando e enclausurando onde ninguém veja. Os resultados dessa nova ótica são mostrados por Brisset:
“O Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário — PAI-PJ, em dez anos de funcionamento, já acompanhou 1.058 processos criminais, numa parceria contínua entre a Justiça, o Ministério Público, a Rede Pública de Atenção em Saúde Mental e os dispositivos sociais da rede aberta da cidade. Foram acolhidos, nesse espaço mediador, 755 cidadãos, constituindo em cada caso a invenção necessária, através desses dispositivos conectores, produzindo o tratamento necessário ao sofrimento mental, buscando sua inserção na sociedade até cessarem suas relações com a Justiça. Desse total, 489 casos já foram desligados. Atualmente, 266 casos encontram-se em acompanhamento, e, desses, 210 encontram-se em liberdade, realizando tratamento nos dispositivos substitutivos ao manicômio e residem junto aos familiares ou em residências terapêuticas do Município. Esses sujeitos, de modo geral, fazem o seu tratamento na rede aberta da cidade e apresentam-se regularmente à Justiça para demonstrar sua responsabilidade na cidade.
[…]
Pesquisando a situação dos casos encerrados, registramos uma reincidência em torno de 2%, relativa a crimes de menor potencial ofensivo e contra o patrimônio, e, em dez anos de trabalho, não temos registro de nenhuma reincidência de crime hediondo que ensejasse o retorno do fantasma da periculosidade que, via de regra, assombra o cuidado e a convivência com essas pessoas.” (BRISSET, 2010, p. 34–35)
Assim, é evidente que a medida adotada pelo Código Penal e pela maioria do Judiciário para o tratamento de portadores de doença mental é ineficaz, esclarece Brisset (2010) que o método anterior oferta a prisão perpétua aos portadores de doença mental, enquanto que o novo método leva entorno de 5 (cinco) anos para trazer o fim da “periculosidade” do agente.
A periculosidade que é ofertada aos doentes mentais pelo Código Penal nada mais é do que omissão do Estado e da sociedade para com o tratamento adequado que eles merecem com sujeitos de direitos do nosso Estado Democrático. Omissão do Estado por não fornecer o atendimento adequado e omissão da sociedade exigir que medidas eficazes sejam tomadas e acabam por escolher não verem, não ouvirem e não falarem sobre situações que não lhes favoreçam. Nesse sentido:
“o louco de todo gênero, único a receber a insígnia da periculosidade, de acordo com a política atual do tratamento nos manicômios judiciários, provavelmente passará o resto de sua vida contido em cárcere privado por ser o que é, ou seja, portador de sofrimento mental. Embora o Código preveja a realização do exame a qualquer tempo, veremos cotidianamente esses pacientes serem condenados à prisão perpétua, não pelo crime cometido, mas pela lógica da cultura que os interpreta.” (BRISSET, 2010, p. 41)
O doente mental ao ser isolado tem seus direitos humanos completamente violados, a decretação da inimputabilidade e presunção de periculosidade acaba por violar os direitos do doente, restando a ele apenas o exílio social. Ao dar a chance de o indivíduo ir a juízo se defender, da sua maneira, é possível proporcionar a sua responsabilidade diante dos atos praticados e com base nisso estabelecer as medidas necessárias e adequadas para dessa forma trata-lo com respeito e dignidade, como humano. Assim:
“O portador de sofrimento mental não está enclausurado no espaço da precariedade, da deficiência. Ele pode e deve responder pela sua ação no espaço público. Não existem razões válidas que sustentem a sua segregação. A política deve reconhecê-lo antes de tudo como um “cidadão-sujeito” e um “sujeito-cidadão”, o que exige considerar a tensão que existe entre os dois, pois, se por um lado é portador de direitos e deveres para todos, de outro, seu modo de vida se orienta subjetivamente, sem igual; a tensão se desdobra quando a relação do que é universal esbarra na coisa singular de cada um, num espaço comum” (BRISSET, 2010, p. 42)
Portanto, ao permitir aos doentes mentais se deixa de usar medidas absolutas que os consideram perigosos e possibilita o exercício de sua cidadania ao se defenderem, dessa forma humaniza e trata como igual uma minoria na sociedade que é frequentemente silenciada e violentada por aqueles que deveriam lhes ofertar cuidado e tratamento como cidadãos.
4. Conclusão
Diante do exposto se pode compreender o quão aberto a novos métodos é o sistema de tratamento dos portadores de doença mental, não sendo necessário confinar o individuo pelo “perigo” que possa causar a sociedade, mas sim trata-lo como um membro da sociedade que necessita de assistência para adaptar a sua condição com a vida social cotidiana.
Com isso se tem o respeito aos direitos consagrados na Carta Magna e efetividade no tratamento sem um isolamento desnecessário. Assim se atinge o objetivo de uma sanção penal, onde se pune o comportamento indesejado e também reingressa o infrator ao com convício social, sem agressões físicas ou psicológicas.
Contudo, ainda é necessário um longo caminho para concretizar essas ideias, atualmente a sociedade ainda tem uma visão muito limitada sobre o tratamento de infratores, grande parte ainda defende a necessidade de penas de morte e a perpetuidade das penas, inflamados pela “falta de justiça” a que constantemente são expostos pelos veículos de comunicação. Dessa maneira o espaço para novos meios de punição resta por reduzido ou não aceito o que prejudica o avanço dessas formas alternativas de cumprimento das sanções penais.
Dessa forma é preciso que o Estado, primeiramente, aplique a Lei nº 10.216/01 nos casos de crimes cometidos por doentes mentais e que crie estabelecimentos que atendem de forma efetiva e adequada as necessidades desses indivíduos, o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário é apenas uma das várias alternativas que podem surgir com o incentivo. Por fim, se faz necessário a reeducação e empatia da sociedade, já que não haverá resultados se a reintegração desses agente for barrada pelo pré-conceito difundido.
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